
Não fui amigo e nem conhecia pessoalmente o advogado Renato Nery. Nunca apertei sua mão, nunca ouvi sua voz em um café da manhã qualquer, nunca cruzei com ele nos corredores de um tribunal. Mas, ainda assim, sua morte me toca de um jeito inquietante, como se um pedaço da própria sociedade tivesse tombado ao seu lado naquela calçada quente da Avenida Fernando Correia.
Renato Nery não era apenas um advogado. Era um defensor. Defendia a lei, a justiça, a dignidade de seu ofício e de sua gente. Presidiu a OAB-MT com honra, com coragem, com um senso de dever que ia além da formalidade da toga e do papel timbrado. Mas, ironicamente, foi morto por aqueles que deveriam garantir a segurança da sociedade que ele tanto lutou para proteger.
Seis homens. Três policiais militares. Um deles, segurança pessoal do governador. Uma arma da Polícia Militar. Munição da Polícia Militar. O armamento do Estado.
Não, não foi um crime comum. Não foi um caso isolado de violência urbana que a burocracia insiste em empurrar para as estatísticas frias. Foi um crime de Estado. Um assassinato que carrega o peso de uma estrutura que, quando perverte sua função, não apenas mata um homem – mata um princípio, mata uma crença, mata a própria confiança naquilo que chamamos de civilização.
O sangue de Renato Nery na calçada é um espelho incômodo para todos nós. Porque não é apenas o sangue de um advogado. É o sangue de cada cidadão que acredita na lei, que confia na justiça, que caminha pelas ruas achando que, de alguma forma, está protegido por um pacto social que já não parece tão sólido. Quando um advogado, um ex-presidente da OAB, é morto com balas do próprio Estado, o recado é claro: ninguém está seguro.
E o mais perverso de tudo isso é o silêncio. O silêncio oficial, o silêncio conveniente, o silêncio burocrático que se espalha como uma névoa pesada sobre o caso. Mas há um outro silêncio, esse impossível de ignorar: o da família que chora, o dos amigos que sentem saudade, o dos colegas que perdem um exemplo. Esse silêncio grita. E continuará gritando enquanto não houver justiça.
Renato Nery se foi, mas sua morte não pode ser mais um número, mais um processo arquivado, mais uma manchete esquecida. Se há alguma lição que podemos tirar desse réquiem, é que a luta por justiça não morre com aqueles que a defendem. Pelo contrário: ela se fortalece. E que essa força seja maior do que o medo, maior do que a covardia, maior do que a impunidade.
Descansa, Dr. Renato. Seu nome, agora, é memória e resistência.
Popó Pinheiro – Jornalista e Gestor Publico