
Por décadas, o pensamento conservador e liberal conviveram sob o amplo guarda-chuva da direita política, divergindo em nuances, mas unidos por valores como o respeito à tradição, a defesa da propriedade privada, o livre mercado e a limitação do Estado. Entretanto, nos últimos anos, uma perigosa confusão tomou conta do debate público: a apropriação da direita por setores radicalizados que se autointitulam “defensores da liberdade”, mas que, paradoxalmente, negam a própria essência desse princípio.
A extrema direita não é uma simples variação da direita – é sua perversão. Se a direita clássica se pauta pelo respeito às instituições, pela liberdade dentro do Estado de Direito e pela valorização da ordem democrática, a extrema direita aposta no autoritarismo, na intolerância e na agressividade como métodos de ação.
O Golpe Retórico da Extrema Direita
A estratégia da extrema direita é habilidosa. Eles vendem a ilusão de que são apenas “mais autênticos” do que a direita tradicional, como se fossem os únicos dispostos a falar a verdade. Criam um discurso sedutor que confunde conservadores bem-intencionados, levando-os a crer que sua única opção política legítima é engajar-se em cruzadas contra inimigos inventados: a mídia, as universidades, os artistas, qualquer um que questione sua visão de mundo.
Mas esse extremismo não é uma simples reafirmação da direita – é a sua distorção. O filósofo Karl Popper já alertava para o “paradoxo da tolerância”: se permitirmos que os intolerantes dominem o discurso em nome da liberdade irrestrita, eles destruirão a própria liberdade. É exatamente o que ocorre quando setores extremistas falam em “liberdade” para espalhar discursos de ódio, mas se dizem perseguidos quando confrontados com as consequências de seus atos.
A Direita Tradicional: Burke e a Defesa das Instituições
O pensamento conservador autêntico, representado por nomes como Edmund Burke e Roger Scruton, sempre prezou pelo respeito às instituições e pelo apreço à civilidade. Burke, por exemplo, via no conservadorismo uma forma de preservar o que há de bom na tradição, sem destruir o que funciona em nome de paixões revolucionárias. A direita verdadeira, ainda que crítica a determinados aspectos do progressismo, nunca pregou o caos ou a eliminação do adversário.
Já a extrema direita despreza esse pensamento e aposta em um discurso destrutivo. Seu objetivo não é preservar as instituições, mas corroê-las para, em seu lugar, erguer uma visão única de mundo, onde o contraditório é silenciado.
O Contrassenso da Liberdade na Boca dos Intolerantes
No Brasil, a extrema direita vocifera contra uma suposta “ditadura do politicamente correto”, enquanto propaga livremente suas ideias. Gritam “censura!”, mas falam o que querem, ofendem, distorcem fatos e, muitas vezes, nada acontece. Se estivessem de fato vivendo sob um regime de opressão, como alegam, poderiam se expressar dessa forma?
George Orwell, em 1984, já previa essa manipulação da linguagem: “A liberdade é a escravidão”, dizia o lema do partido totalitário do romance. No discurso da extrema direita, “liberdade” significa “fazer o que queremos sem consequências”, enquanto qualquer limite imposto pelo convívio social civilizado é rotulado como “censura”.
Quando a Direita Acordar, Será Tarde?
O maior problema é que muitos eleitores da direita moderada ainda não perceberam que foram usados como massa de manobra. A defesa legítima de valores como segurança, economia liberal e combate à corrupção foi sequestrada por oportunistas que não querem construir nada – apenas destruir.
Se a direita séria deseja sobreviver, precisa se desvencilhar urgentemente dessa sombra extremista. Precisa lembrar que o conservadorismo não é sinônimo de irracionalidade, que o liberalismo econômico não se traduz em autoritarismo e que a defesa da liberdade exige responsabilidade.
Se não o fizer, não tardará o dia em que, ao olhar para os escombros do que antes chamavam de “pátria”, se darão conta de que a maior ameaça nunca veio da esquerda, mas daqueles que, em nome de uma suposta “defesa da nação”, rasgaram os princípios que um dia juraram proteger.
Popó Pinheiro
Jornalista e Gestor Publico